Ele sentou-se no chão, com a cabeça
pendida entre as pernas semi-fletidas e semi-abertas, sentiu o suor
escorrer-lhe pelas costas, pelo peito, pela cara. Da camisa vertia uma pasta de
suor com areia.
Tirou o chapéu que balançava por sobre
seus cabelos molhados, coçou a cabeça, voltou o chapéu e, com as costas da mão,
limpou o canto da boca.
Sentiu o gosto salgado do suor misturado
com terra e cuspiu. Um cuspe de pouca saliva e visguento, que mal lhe saiu da
boca e foi cair perto de si.
Olhou para as estacas de cerca; teria que
fazer bem uma meia dúzia de buracos, cada qual com setenta centímetros de
profundidade e duas cavadeiras de largura. Olhou para as mãos: sujas, grossas,
calosas, cheias de gretas; instantaneamente voltou o olhar para uma lasca de
aroeira perto de si e cismou.
- Aquele pedaço de pau é mais liso que
minha mão.
Puxou a cavadeira para perto de si,
esfregou o cabo, e percebeu o quanto ele estava liso, era até brilhante de tão
liso.
Havia sido lixado com a aspereza de sua
mão.
Ele era um forte, os objetos adaptavam-se
ao seu ao jeito, e ele adaptava-se aos objetos. Estava quase virando um objeto.
Há muito tempo deixara de pensar, só executava. A sua vida era fazer, só
fazer...um fazer, lento, devagar, suado, sofrido, cansado.
Sentiu a barriga roncar, andava sempre com
a barriga vazia; mesmo nas refeições, ainda que tivesse comida à vontade: comia
pouco. Barriga cheia demais atrapalha o trabalho, não rendia o serviço e
sentia-se mal; por isso, andava sempre com a barriga roncando.
Levantou-se, olhou para sua sombra no chão
e calculou: dez horas da manhã, talvez nem tanto, aquela cerca não ficaria
pronta tão facilmente...
Contou dois passos largos e marcou o local
da outra estaca de aroeira, bateu a cavadeira no chão seco e duro, e ela
resvalou, tirando uma casquinha fina de terra.
Repetiu esse gesto centenas, milhares de
vezes e, lentamente, a cerca de arame farpado fechou-se.
Olhou para o rebanho magro, ossudo,
desconsolado, bamboleante e juntos, ele e o gado, caminharam para aquele
cercado novo.
Uma rês tropeçou no caminho e caiu. Aquela
não levantaria mais. Tentou por todos os meios movimentá-la, mas havia perdido
toda a força para a luta da vida. Acabaria por morrer ali.
Os urubus fizeram morada em suas terras,
alguns pousavam no lombo dos animais. Estavam desaforados esses animais
agourentos, carniceiros.
Ele sentiu que, se tropeçasse, o mais
fácil seria ficar imóvel e deixar a morte levar mais um corpo seco, naquela
seca imensa. Até os urubus iam ter pouco para aproveitar.
O sol tinha deixado no horizonte um
vermelho amarronzado, via-se também uns fiapos de nuvens, distantes uns dos
outros. Dirigiu-se para a casa com passos lentos, quase que empurrados pelo
vento que se havia formado.
Durante a noite, acordou com o barulho do
vento, dos trovões e a claridade dos relâmpagos. Correu da cama para o quintal,
e ficou com o corpo nu, da cintura para cima, exposto ao vento, vendo as nuvens
pesadas por entre os raios, chegando-se cada vez mais.
A chuva encontrou sua cara molhada de
lágrimas; e, juntas, molharam aquele chão duro.
O amanhecer o encontrou no centro de sua
propriedade, andando por todos os cantos, tudo ganhava vida.
Durante uma semana choveu todas as noites
e, durante todos os dias, ele preparou sua terra. Arou, tombou, gradeou e
semeou sua roça; se teve canseira, não sentiu, ou, se sentiu, não se lembrava.
O chão foi ficando verde com sua plantação, até que não se via mais terra, era
só verde, o verde de sua roça.
Naquele dia, saiu de sua roça mais cedo e
passou na cidade; comprou comida e bebida.
Veio para casa mais prosa e o com riso
frouxo de felicidade. A mulher e ele comeram, beberam e se amaram comemorando a
vida, esquecidos da dor passada.
No ano a seguir, além da colheita,
colheram também um filho, presente de Deus e fruto do amor e confiança dos dois
na vida.
DELFIM SILVA PIRES
Segunda Menção Honrosa Prêmio Flerts Nebó