quinta-feira, 27 de outubro de 2022

PIRUETA

 

Todas essas coisas que dependurei no tempo...

Ou engavetei na memória... criaram teias.

Todos esses contos, crônicas, poemas e romances, que engalhardei de virgulas, reticências, tremas, e exclamações.

Estão pasmos com a minha voz.

Espantados com a minha lentidão.

E surpresos com o meu abandono pessoal.

 

Arrasto meu corpo mais osso que ansiedade.

Por essa cidade.

A pé ou cavalgado de saudades.

Eu continuo a me dizer que de uma estação a outra nesse trem...

São dez anos.

 

Quantos já desceram e quantos embarcaram com as suas faces imberbes

Assustados com a viagem dando atenção a cada ruído que a máquina cria no seu trajeto tortuoso.

Resta-me os passos com que entrei... os poros desalinhados... os podres dias de outono em que palitei a primavera.

As pessoas com quem fiz planos são fotos descoradas na parede do corredor vazio.

Tantos solavancos a nos espantar...

Assusta a alma que balanceia com o trepidar do trem, dentro do porta cédulas junto com algumas moedas inválidas de  centavos.


Luiz Jorge Ferreira

Vencedor do Prêmio Bernardo de Oliveira Martins 2021

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