domingo, 29 de setembro de 2019

O MEU BAÚ

Por: Josias Pereira dos Santos
CARDIOLOGIA

Coisas da alma tenho eu guardadas
Num baú da saudade, envelhecido.
Mas que se adapta bem para as sagradas
Recordações de um tempo já perdido.

Recolhi todas elas espalhadas,
Recupero-as com amor enternecido, 
E me renovo delas suscitadas
O coração há muito umedecido.

Neste baú, difícil é escolher
Uma lembrança,  aquela que me traia
E me leve ao remorso de a perder.

É mentira... se bem eu as espraia
Cada uma por si é um bem querer
Que revive a minha alma que desmaia.   

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

NINHO PERDIDO

Por: Mário Santoro Junior
PEDIATRIA

       O seu consultório era no andar alto de um prédio, no centro de um bairro nobre da cidade. Ali ela trabalhava diuturnamente, em período integral. Meses antes dos fatos aqui narrados, caro leitor, ela resolvera substituir o sistema de ar condicionado do consultório. Modernos aparelhos foram instalados, muito mais eficientes do que aqueles antigos que ali estavam, modelo dito de parede. Não obstante resolvera, também, mantê-los no local, pois sua remoção exigiria um esforço a mais. Com o passar dos dias começou a perceber ruídos que, ao que parecia, vinham daqueles dispositivos, agora não mais funcionantes. Ruídos estes que foram rapidamente aumentando em intensidade, dando a perceber que era chilrada de pássaros. Verdadeira algazarra a ponto de atrapalhar o atendimento de seus pacientes, pois, médica atenciosa, era bastante diligente em suas funções. Por diversas vezes tentou afugentá-los, mas sem sucesso. Concluiu que era necessário remover as referidas máquinas. Aproveitou uma semana em que por ter que atender outro compromisso não estaria no consultório. Contratou profissionais que retiraram o velho e desgastado aparelho e em seguida repararam a parede além de terem efetuado o novo revestimento dela.
Na data aprazada voltou às suas atividades e gostou do que viu. Porém notou que ao final da tarde, todos os dias, no parapeito de sua janela surgiam três passarinhos que, como espreitando para dentro do consultório, rapidamente fugiam quando ela se aproximava deles. Foi então que lembrou de haver tido sido informada de que, quando da retirada do velho aparelho, havia um ninho de pássaros contendo estes três ovos. Assim, pensou, estariam eles a procura do ninho perdido?
  Num dia em que estava particularmente alegre, pois mais um neto havia chegado à sua família – e a chegada de um neto representa a vida que se pereniza por meio de nossos descendentes- percebeu, como sempre ao final da tarde, que os três passarinhos estavam no parapeito da sua janela. Foi então que ela notou que eles não mais piavam. Tristeza profunda pensou, a ponto de calarem seu canto? E, de repente, afloraram do mais profundo de seu inconsciente sentimentos confusos, uma mistura de culpa, dor e arrependimento. Teria ela sido a causa do que para ela pareceu ser uma tragédia?
Rapidamente lágrimas furtivas rolaram na sua face e ela se prostrou diante da imagem da Santa de sua devoção, imagem que há muitos anos a acompanhava. Baixinho orou e pediu perdão a Deus.
Na tarde seguinte e em muitas outras que se sucederam ela não mais os viu em sua janela.
Aos poucos ela, então, compreendeu sua mensagem.

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

MAGIA & ELEVADOR

Por: Sônia Andruskevicius de Castro
MEDICINA INTENSIVISTA

Magia

Um dia 
Tirei da cartola
Um sol amarelo
Que joguei pro alto
E se prendeu no céu.

Depois
Lentamente
A primavera 
Vestida de flores.

Ainda tirei da cartola
O canto de um rouxinol
E um pássaro invisível
Que realmente voou entre as nuvens.

***

Elevador

Com o cabelo escondeu o rosto
Com o desvio do olhar, a lágrima.
Lutando com seus mistérios
Em poucos minutos
Envelheceu alguns anos.
Uma mulher chora de tristeza
Pensamentos silenciosos
Passeiam pelo elevador.

sábado, 14 de setembro de 2019

FALANDO DE RUGAS

Por: Lúcia Edwiges Narbot Ermetice
DERMATOLOGIA

      Desde tempos imemoriais o homem busca o Elixir da Eterna Juventude, bem como a Pedra Filosofal, que transforma qualquer metal em ouro. Eterna juventude e beleza, sonhos da Humanidade.
Nos tempos de antanho, talvez fosse mais fácil manter o aspecto jovem: morria-se jovem! Não havia tempo para que as marcas do existir aparecessem. Ainda assim, utilizavam-se artifícios para embelezar, poções para cuidar da pele. Quem nunca ouviu falar dos banhos de leite aos quais se dedicava Cleópatra?
       Neste século XXI, a expectativa de vida aumentou. Melhorias na Higiene, obras de Saneamento Básico, progressos científicos e tecnológicos na Medicina, propiciam vida mais longa aos que a eles têm acesso. Vive-se mais e, assim, o Tempo agora tem tempo para deixar suas marcas.
       Quem vive mais, é óbvio, envelhece. E o homem quer viver mais, mas não quer envelhecer, isto é, ter a aparência de velho. Por isso, sai à luta para buscar recursos com que resolver o paradoxo.
      Não à toa, uma das indústrias que mais se desenvolveu, foi a da Cosmética. Auxiliada por sua companheira também desenvolvi-díssima, a Publicidade, anuncia seu produtos. “O creme X elimina suas rugas, devolve sua juventude, em apenas sete dias. Experimente e comprove!” Quem não deseja milagres? E o creme X vende mais que pão quente.
        Ora, cuidar do corpo é um dever. Afinal, ele é o instrumento para a interação com o mundo.
      Diziam os antigos: “Mens sana in corpore sano.” O problema, nos nossos dias, é que a mente ficou insana no quesito cuidar do corpo, e a vaidade predomina. Chegou-se às raias do exagero.
      Caras “botocadas”, preenchidas, até deformadas. Muitas enfeiadas, tornadas irreconhecíveis. Sem expressão, sem indivi-dualidade, sem identidade.
    Inevitável o questionamento: como se sentem estas pessoas quando se olham ao espelho? Reconhecem-se ou não?
      Será que vale a pena modificar-se tanto, recusar-se a aceitar o Tempo que se escoa? Cuidar-se, enfeitar-se, sim. Mas há que haver o equilíbrio. Envelhecer é uma das leis da Natureza, e estas não admitem recursos a instâncias superiores. Cumprem-se e pronto, doa a quem doer.
      Rugas, manchas, são marcas que a Vida, em seus embates e alegrias, deixou no corpo humano. São a prova da coragem e da luta no viver, o símbolo da sobrevivência. A única alternativa que o homem tem para não envelhecer, é morrer jovem.
       Na vã tentativa de afastar a velhice, o ser humano busca ao menos apagar seus sinais externos. E haja cremes, procedimentos, cirurgias, seja o que for que lhe prometa o milagre da eterna juventude!
       Mas, há um grande motivo pelo qual o homem não quer aceitar o envelhecer: a velhice traz junto com ela, companhia inevitável, o temível fantasma que nos assombra a todos: a senhora Morte.

segunda-feira, 9 de setembro de 2019

NOITE DE LUAR


Por: Flerts Nebó
REUMATOLOGIA
in memoriam 
1920 - 2017

Quando a Lua surgiu, por trás da serra, toda a natureza noturna se alegrou. Era mais uma nova noite e os pirilampos, com seu intermitente iluminar, nos faziam lembrar dos bons tempos onde a luz da iluminação noturna das cidades eram fracas ou inexistentes e desse modo podíamos admirar o faiscar das estrelas longínquas.

Era o Cruzeiro do Sul, as Três Marias ou a Vespertina,  que com seus albedos, nos deixava extasiados ao mirá-las.

As estrelas cadentes, que riscavam o céu num rápido passar e com eles iam nossos pedidos a Deus.

O medo que tínhamos de apontar com nosso indicador alguma estrela, pois poderia nascer uma verruga na ponta do mesmo, fazia com que procurássemos indicar a “estrela” que sempre acompanhava a Lua, com a ponta de nosso queixo, procurando dizer qual era a que deveríamos ver, naquelas noites de luar. Oh!, que saudades...

Diziam que aquela estrelinha vermelha não era uma estrela... (que mentira...), mas que era um planeta, onde morava o deus da guerra. Seu brilho, embora não piscasse como as outras, era permanente e para mim era uma estrela colorida no fundo de um céu gostoso de se admirar.

A Lua ia declinando e pouco a pouco desaparecia aos primeiros alvores do despontar de um novo dia que amanhecia. Fora mais uma noite de luar... que beleza!

quarta-feira, 4 de setembro de 2019

PESADELO

Por: Maria Gertrudes Vagliengo Focássio
MEDICINA DO TRABALHO

      Espontaneamente penetra em meus sonhos, com certa frequência, o Heliópolis, Hospital onde iniciei a minha carreira como médica. Mas. o edifício é outro bem diferente, dentro do qual me perco, tomo o elevador errado, sigo pelo corredor oposto ao que me levaria à saída mais propícia.
Caso me abordem, desconheço a orien-tação espacial para conseguir informar; se os residentes me solicitam discutir um caso, olho para o paciente, trêmula, em intensa sudorese, gaguejo sem lembrar-me de nada a respeito daquele doente da minha enfermaria.
Consigo finalmente repelir esse sonho que me deixa extenuada e, imediatamente, uma porta imensa se abre, empurrada por uma bruxa enorme, pavorosa. Que me persegue. Em seu bolso está um mega crachá escrito: “Receita Federal”.
Corro apavorada, porém ela lança uma rede e me aprisiona, dizendo com sua voz medonha: “Você está literalmente na malha fina. Vai ser multada”.
Quero assumir que vou pagar, porém minha voz é inaudível…
Preciso empurrar esse pesadelo para longe, todavia estou presa na malha fina e não consigo fazê-lo, nem fugir.
Outro pesadelo entra voando pela janela, na forma de um terrível gavião das montanhas e me livra daquela rede com seu bico dilacerador.
Porém não consigo me recuperar do susto do sonho anterior, ao ler o enorme crachá frouxamente pendurado ao pescoço do gavião mal encarado: “CET”. Mas ele se apresenta pomposamente: DETRAN para os íntimos, como você.
— Eu já estava de saída – balbucio, ofegante.
— Não! Não pode me evitar! Veja quantas multas! Noventa pontos na carteira. Vão perder a CNH.
  E minha cabeça fervendo queria oferecer propina, contudo o medo é tanto que me retiro do sonho, trôpega cruzo a praça e estanco antes de atravessar outra rua. Um carro forte freia ruidosamente diante de mim e dele saltam dívidas que me rodeiam e se aproximam ameaçadoras.
— OK, Vou parcelar no cartão.
Saio correndo com a tocha olímpica e botas de sete léguas, adentro o mar, vou nadando com os golfinhos, voando com as gaivotas, até colidir com um foguete identificado com a inscrição “NASA”.
Por favor, implorei, leve-me até um sonho mais “light, cor de rosa e musicado”.
  O foguete me deixa diante de uma vala cheia de dragões apavorantes, porém do outro lado, acenando-me, vislumbro meu príncipe encantado, cavalgando seu corcel branco, mas não pode me alcançar.
Súbito ele grita: — Pégaso!
Imediatamente surge o cavalo alado, meu herói pula-lhe na sela e ambos voam sobre a vala, chegando incólumes.
Quando meu amado segura minhas mãos e me beija, aparece diante de nós um flamboyant ornado com flores douradas luminescentes.

domingo, 1 de setembro de 2019

O BANDEIRANTE - nº 322 - SETEMBRO de 2019

O BANDEIRANTE - edição 322- Setembro de 2019

Editorial: 

Pizza Literárias

Se muitas vezes “tudo acaba em pizza” para a SOBRAMES São Paulo ela foi o começo e desde o início é sinônimo de agradável confraternização. 
Convém lembrar que em 16 de setembro de 1988 a SOBRAMES São Paulo foi fundada na Pizzaria Ilha de Cós, na Vila Clementino, incentivada pela regional do Rio de Janeiro. 
Em 20 de junho do ano seguinte, surgiu a primeira Pizza Literária e a partir de então reuniões mensais sucederam-se, consistindo em um dos atrativos paulistas quando os filiados e convidados se agregam para a deliciosa degustação e para apresentarem seus textos em versos e prosas.
O sucesso é tão grande que muitos sobramistas de outras regionais programam visitar a cidade de São Paulo em data que coincida com a da Pizza Literária para poder apreciá-la. Ela também inspirou encontros similares em outros estados. 
Reuniões ininterruptas, sempre na terceira quinta-feira de cada mês (salvo feriado).
Nem mesmo a triste surpresa ocorrida em 2004 foi motivo de interrupção.
Sim! Em abril daquele ano, ao chegarem na pizzaria Livorno, os sobramistas foram surpreendidos com o local lacrado por motivo de falência. Decepcionados, porém não desanimados, um grupo decidiu pelo menos jantar na pizzaria Bonde Paulista onde se descobriu um salão propício para continuar as reuniões.
E lá estamos comemorando neste mês de setembro 350 Pizzas Literárias sendo 186 no Bonde Paulista.
Por isso, este editorial é dedicado às Pizzas Literárias que descontraem, estimulam os escritos e revelam grandes talentos.
Um alimento para o corpo e para a alma...
Que assim continue...

Márcia Etelli Coelho
Presidente da Sobrames-SP

Leia a edição completa clicando no link a seguir:
O BANDEIRANTE - SETEMBRO 2019
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