Por: Maria do Céu Coutinho Louzã
RELAÇÕES PÚBLICAS
Cena nº 1
Muito cedo pela manhã desce do ônibus uma mulher ainda jovem que, com a ajuda do motorista, baixa um carrinho-cadeira com uma criança. Esta, não muito pequena, tem uma deficiência física séria e semblante estranho. Estão próximos a um Centro de Reabilitação para onde ela se dirige, empurrando valentemente a cadeira, mas com certa dificuldade, pela calçada irregular.
Cena nª 2
Sete horas da noite. Em uma avenida de São Paulo. Um trânsito infernal como costuma ser. Num cruzamento, com sinal de trânsito, uma jovem morena, um pouco mais gorda do que magra. Em um dos braços – com uma amputação abaixo do cotovelo – carrega uma lata pendurada: um fogareiro improvisado, com carvão em brasas vermelhas. Com a outra mão segura cartuchos com amendoim, que vai oferecendo aos motoristas que param quando o farol fecha. Da cabeça desce um fio do auricular, que deve ser o rádio que a acompanha. Ela corre por entre os carros oferecendo valentemente o amendoim torrado. Fecha o sinal. Ela para, volta para a calçada e imediatamente começa a dançar. Parece acompanhar a música que deve estar ouvindo. Requebra com jeito. Parece cantar sempre olhando para os lados e para o farol. Aguarda o momento de iniciar a sua corrida em busca de fregueses, talvez para completar o seu sustento. Parece feliz.
Cena nª 3
Num cruzamento de avenida movimentada, uma família estacionada na calçada: o farol fecha e o que parecia ser o pai ia acercando-se dos carros para pedir ajuda. Três crianças se divertem, correndo de um lado para outro. A mãe e um menino, talvez com menos de um ano, sentados em um cobertor estendido no chão. Com um picolé na mão, a mãe vai oferecendo-o ao pequeno e também às outras crianças, que se aproximavam para dar umas lambidas, com-partilhando assim, aquele único sorvete. O sinal abriu e segui meu roteiro e deixei para trás mais uma história de vida.
Cena nº 4
Uma senhora ainda jovem para os anos que tem, bem vestida e penteada acaba de receber a faixa que representa o poder que lhe foi dado, por votos democráticos, em eleição para presidente do seu país, o maior da América do Sul e que está entre os maiores do planeta. Após o discurso de posse, vitoriosa e elegantemente, passa em revista a tropa que lhe deverá prestar obediência. A sua posse é vista por todos os meio televisivos e mais ao longe, uma multidão a aplaude insis-tentemente.
Cena nº 5
Em Abu Dhabi – Emirados Árabes, em visita protocolar duas mulheres caminham lado a lado. Visitarão um templo. Uma, a anfitriã, descalça, com roupas longas e um manto cingindo a cabeça de maneira a cobrir bem os cabelos. Ao seu lado, uma rainha de mais de oitenta anos. Há quase 60 anos recebeu o poder de reinar em um país ocidental, de inúmeras tradições. Também descalça (embora de meias), traja sobre a sua indumentária um casaco longo e, um lenço grande, amarrado sob o queixo, cobre-lhe o chapéu e os cabelos brancos, de acordo com costumes da terra que visita.
A algumas mulheres é dado o poder de chefe de estado, herdado, que deverão exercer por toda a vida, no seu país, sobre os seus súditos. Reinarão por herança, da maneira que lhes é imposta: por tradição e esperada pelos seus súditos.
A outras o poder lhes é dado conforme as leis de seus países: foram eleitas, por voto direto do seu povo. Assim exercerão esse poder, por tempo determinado, da melhor maneira, que a população confiante espera.
Mas por que não nos lembramos do poder, não como autoridade, mas como virtude?
O poder de uma mãe, que com sacrifício, reúne todas as suas forças, para diariamente sair de seu lar (será talvez em uma favela), carregando um filho deficiente, em busca de ajuda para sua reabilitação, para poder ter uma vida melhor. Lutam muito, numa luta silenciosa, buscando, com amor, auxílio para que os filhos sobrevivam e sejam felizes.
Onde encontrar tanto poder de amor na mãe que, vivendo uma vida errante, talvez sem um lar decente para abrigar a família, consegue adoçar momentaneamente, a alegria de seus filhos, em meio ao tumulto de uma cidade grande. E que – diante das vicissitudes – tem o poder de manter a família unida.
Aquelas que não encontrando oportuni-dade de trabalho vão à luta no dia a dia, superando uma deficiência física. Precisam lutar contra as adversidades da cidade grande, mas não desistem. Com uma força interior e de alguma forma, com criatividade trabalham hones-tamente. Conseguem sobreviver, encontrar momentos de alegria, cantando e desafiando a sua limitação e, quem sabe, serem felizes.
É impossível medir o quanto existe de poder como virtude na mulher que usa o seu coração, sem medir forças, com disposição firme e constante, para lutar nas dificuldades que a desafiam no seu dia a dia. E dessa maneira, aquelas que não encontrando oportunidade de trabalho, vão à luta no dia a dia e quem sabe com alegria. São essas e outras mais, que guardam, num coração pequeno, um grande poder de lutar contra adversidades todos os dias de suas vidas.
Não será mais forte esse poder na mulher, que é na realidade um sentimento de sobrevivência e de luta silenciosa e sem tantos espectadores observando?