quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

LEMBRANÇAS


Por: Hildete Rangel Henger
CLINICA GERAL
(in memoriam)
1936 - 2016

Naqueles dias que se foram
E me parecem tão perto

Tudo acontecia perfeito e imutável...
O clic clic da chuva lá fora
Um tic tac do relógio
Aqui dentro

O canto do sabiá laranjeira
Nas madrugadas
O cheiro do café
Pelas manhãs
Evocavam aconchegos...

Não precisava ver-te nem ouvir-te
Para sentir-te perto
Tua presença entrava nos meus poros
Como sol pela janela aberta...

Em cada parede da casa
Ficou um silêncio
cheio de palavras
Que não mais serão ditas

nos degraus das escadas
O eco dos teus passos
Que não mais ouvirei

E dentro de mim
Um vazio que não dá para traduzir
Com nenhuma palavra
Em nenhum idioma...

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

O PINCEL DE BARBA



Por: Manlio Mario Marco Napoli
ORTOPEDIA

No fundo do corredor do 3° andar, ala B, do Instituto de Ortopedia e Traumatologia, havia a sala 323, dormitório dos plantonistas do Pronto Socorro, onde também funcionava, desde meados dos anos 50, o chamado Grupo de Banho.
Era ali que nós Assistentes do Instituto nos reuníamos diariamente, após a faina nos ambulatórios, salas de gesso e centro cirúrgico, atividades que nos ocupavam toda amanhã.
Nessa sala se discutiam os grandes problemas do Instituto, mesmo os que já haviam sido submetidos as altas esferas administrativas e técnico-científicas. Também os trabalhos e casos discutidos nas reuniões semanais eram dissecados, criticados, aprovados ou não. Qualquer trabalho ou apresentação que não fosse aprovada pelo Grupo, certamente não seria aceita pela comunidade ortopédica.
Do grupo participavam muitos Assistentes e o seu Chefe, querido e ao mesmo temido, porém respeitado, era o saudoso Dr. Batalha.
Entre os assíduos frequentadores havia um ilustre descendente de lusitanos, como o Batalha.
O Chefe era sempre o primeiro a chegar e o último a sair, geralmente lá pelas treze ou quatorze horas, mesmo assim, sob a insistência e impaciência dos demais.
Certo dia, o Batalha fazia a barba e atrás, "filando" o espelho se encontrava o outro ilustre lusitano.
De repente, o Batalha percebe que seu companheiro trazia o pincel de barba não lavado e, em alguns pontos de sua extremidade, havia restos de espuma de sabão.
Simplesmente com poucas gotas de água, a espuma reapareceu e o rosto foi recoberto rapidamente.
Surpreso, Batalha abriu o diálogo, que na verdade foi um monologo- "Então, seu Lage, você há tantos anos convivendo conosco, jamais fez referência ao seu método de economizar sabão de barba. Bonito, hem? Isso é que se pode chamar traição! ".
Entre risos e admoestações, sem nada dizer e sorrindo levemente, Lage terminou de fazer a barba. Como era seu hábito, rapidamente saiu.
Batalha, entre os comentários dos demais, jurou que jamais lavaria seu pincel de barba a partir de então.
Devo confessar que também eu, há mais de trinta anos, tenho deixado a espuma secar em meu pincel de barba!

***

SEXAGENÁRIA



Por: Lúcia Edwiges Narbot Ermetice
DERMATOLOGIA

Desde agora quase tudo
me será permitido, 
pois volto a ser criança 
e resgato a ingenuidade 
e o não ter medo do ridículo. 
De hoje em diante, 
por motivo de minha
recém conquistada liberdade 
de ser velha-criança, 
continuo a ter a esperança 
que nunca perdi, 
a sonhar todos os sonhos 
que nunca deixei de sonhar, 
a cantar, ainda que desafinada, 
todas as canções que quiser, 
inclusive e sobretudo as fora de moda. 
Não rompo laços 
porque nunca estive amarrada. 
Insisto e persisto, como sempre, 
a viver em paz comigo mesma, 
com o mundo, 
com o riso e a alegria. 
Hoje é só uma data, 
apenas um dia
entre o ontem e o amanhã, 
somente símbolo a confirmar 
que o importante, 
o real, o verdadeiro, 
é amar e ser feliz.

***

FERIR



Por: Maria Gertrudes Vagliengo Focássio
MEDICINA DO TRABALHO
gertrudes.tuty@terra.com.br

Como a erosão gera, na terra, a falésia,
a dor imprime uma chaga no coração
A alma fendida desaba, em poesia
e lágrimas musicadas, compondo a canção.

Enquanto a gaivota sobrevoa região ignota,
inóspita, inserida no universo insano,
os olhos tristes choram a derrota;
são tantas gotas que formaram o oceano.

Qual a brisa que serpeia entre os coqueiros
torna-se vendaval que revolve o mar,
um pequeno deslize entre companheiros
pode rompimento e dor acarretar.

Lágrimas das nuvens borrifam as plantinhas,
mas podem tornar-se poderosos temporais.
Uma palavra inconveniente nas entrelinhas,
consegue às vezes criar distâncias abissais.

O ser humano que magoa, indiferente,
ressaltando discutíveis atributos seus
causa no outro um queloide incandescente;
distancia-se mais e mais de Deus.

***

LUA NUA



Por: Josyanne Rita de Arruda Franco
PEDIATRIA
josyannerita@gmail.com

Um colar azul-turquesa
feito mar que desconheço.
Corais cor de laranja
a enfeitar pulso e cabelos.

Túnica verde-esmeralda 
vestindo mata distante...
E um anel bem lapidado
fingindo ser diamante

Deitada na minha rede,
abandonada ao que sou...
Ardente alma talhada
para os mil planos do amor.

Sentindo na madrugada
os beijos no meu pescoço,
sou espasmo na empreitada
do balde que afunda no poço.

Na proa dessa canoa
que encontra meu rio-mar,
sou apenas lua nua
te oferecendo o luar.

E antes que algum eclipse
nos afete a lunação,
adentrarei a floresta
e tu voltarás ao sertão...

*** 


A PRAIA DO TRIKE



Homenagem a todos Pilotos deste Encontro
Por: Delfim Silva Pires
CARDIOLOGIA
delfimpires@hotmail.com

Numa certa manhã, surgiu no horizonte; aliás, primeiro ouviu-se um ronco de motor. À medida que o ronco do motor se aproximava, via-se uma asa à distância; à medida que se aproximava, distinguiam-se cores exuberantes. Essa aeronave aproximou-se da praia, fez um rasante, estudou o terreno, fez dois ou três círculos completos. Iniciou uma aproximação do extremo da praia e fez um pouso suave. Ali nunca ia alguém, a não ser algum barquinho. Veio em minha direção e ultrapassou cerca de trinta metros, não sem antes fazer uma ventania que me levantou a saia (refrescando-me inteira). Demorou um tempo até que desceu meu príncipe encantado, meu explorador dos céus e agora dono daquela praia; e, a partir daquele instante, da minha vida! Veio tirando as luvas, desabotoando o blusão de couro, passando a mão pelos cabelos que começavam a ficar grisalhos. Quando começou a falar, minhas pernas ficaram bambas. Que voz linda!
— Sabe me dizer onde estou?
— Você está na sua praia.
— E qual é o nome desta praia?
— Como chama a sua aeronave?
— Aquilo é um trike.
— Pois então, a partir de hoje, esta é a praia do trike, que era só minha e agora também é sua!
— Tem mais alguém nesta praia?
— Claro, tem a minha família, meus pais e minhas irmãs. E você, que a partir de agora também é dono disso aqui.
— Por que você me trata assim, oferecendo-me seus pertences?
— Porque estava há muitos anos a tua espera.
— Como assim? O que sabe a meu respeito? Como sabia que eu vinha? Desde quando você sabia que eu vinha?
— Calma, tem o resto da tua vida para saber todas as respostas; algumas posso te dizer agora, e, aos poucos, acaba sabendo tudo! Minha mãe, desde criança, disse-me que meu marido vinha do céu, que um dia meu príncipe encantado surgiria voando. Como esta praia é inacessível, nem sei se ela dizia isso a sério ou se era brincadeira! O fato é que eu, desde criança, ia pela praia às manhãs e às tardes esperar meu príncipe encantado! E tinha certeza que um dia isso aconteceria! Para mim aconteceu: amei-te assim que o vi arrancar aquelas luvas e sussurrar: Onde estou?
— Você chegou levantando a minha saia. Por tudo isso é meu príncipe encantado! Agora preciso saber de você: se acha que pode me amar, venha que vou lhe mostrar minha mãe e toda minha família. Mas cabe a você consultar teu coração e decidir: se quer ficar ou se vai embora levando consigo a lembrança que tem agora, uma praia do trike.
— Na verdade, venho de uma terra onde não temos mar e as terras são planas, podemos voar a poucos palmos do chão durante quilômetros, onde os campos parecem desenhados pelas mãos do homem. Os campos ganham simetria com as plantações. Não sabia o porquê, mas havia alguma coisa que me fazia querer voar sobre o mar. É muito bom voar sobre o mar, não temos turbulência e as águas adquirem cores que vão do azul ao verde, e são de uma transparência que não se percebe aqui do chão. Agora sei por que aprendi a voar; soube disso no momento que vi esta praia. Valeu a pena voar para conhecer este cantinho do céu, pensei. Ao fazer o rasante vi você e me apaixonei pelo jeito que correu!
— De agora em diante, vamos construir nossa história juntos! Entramos em casa e eu gritando pela minha mãe.
— Mãe, ele veio de trike, o príncipe chegou!
E era tanta gritaria que vieram todos. A mãe perguntou:
— Já beijou o moço, minha filha?
Ao que o pai disse:
— Igualzinha à mãe. Todos se olharam e ninguém entendeu, a não ser o pai e a mãe que desandaram a rir. Ao que ele explicou: quando aqui cheguei, vim numa canoa e sua mãe também me esperava na praia, assim como vocês. E entramos na maior alegria pela casa afora.
A mãe dela nos interrompeu e disse:
— Minha filha, beija o moço para ver se vai dar certo! Então, minha filha, vá lá pra fora, beija o moço e volta com ele!

*** 

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

O BANDEIRANTE - nº 315 - FEVEREIRO 2019




O BANDEIRANTE - edição 315 - Fevereiro de 2019

Editorial: 

Jornadas
Curioso como a palavra “jornada” pode desencadear diferentes ideias de acordo com os reais interesses de cada pessoa. Para o empresário, ela designa o trabalho desem-penhado no decorrer de um período. Para quem está de férias, representa a viagem ou caminhada que pretende percorrer. Para o fã televisivo, virá à mente a série com a nave Enterprise “audaciosamente indo aonde nenhum homem jamais esteve”.
E para nós, sobramistas? Com certeza, o termo jornada sempre reativará agradáveis lembranças de encontro, confraternização e intercâmbio literário.
E é por isso que a SOBRAMES SP inicia o ano preparando a XV Jornada Médico-Literária Paulista que em 2019 agregará também a X Jornada Nacional.
Se em 2018 festejamos o Jubileu de Pérola da regional paulista, em 2019 será comemorado o cinquentenário da edição da coleção “Médico, Santo e Pintor”, escrita pelo Dr. Eurico Branco Ribeiro.
Programada para o período de 01 a 03 de agosto de 2019, pretendemos acolher sobramistas de todas as regionais para apresen-tarem seus textos em prosa e versos, além de prosseguir incentivando os estudantes de Medicina com a realização da II Intermed Literária Paulista.
As inscrições encontram-se abertas até o dia 17 de maio. Reconhecemos que o prazo é curto, mas necessário para a correta organização dos textos que irão compor os Anais e para que os avaliadores possam escolher os merecidos premiados.
Convidamos, então, todas as regionais a prestigiarem esse evento se inscrevendo e divul-gando as informações enviadas por email. Aguardamos a todos com o aconchego de sempre.   
Márcia Etelli Coelho
Presidente da Sobrames-SP

Leia a edição completa clicando no link a seguir:
O BANDEIRANTE - FEVEREIRO 2019

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