Por: Thereza Freire Vieira
GERIATRIA
(in memoriam)
1928 - 2019
Os
presentes que médico recebe, principalmente no início de sua carreira, são
interessantes e faz da medicina o esporte mais maravilhoso do mundo.
Quando era interna do Pronto Socorro
da Ilha do Governador, como o hospital ficava ao pé do Morro do Quebra Coco,
era incrível a velocidade com que aqueles favelados desciam o morro, era um
esporte interessante e quando não tinha chamados a atender eu ficava
observando. O meu chefe de plantão era apavorado com macumba e sempre que me deixavam
cestas de frutas, com araçá, goiaba, jambo e outras frutas que eram nativas da
região, ele queria que me desfizesse delas, Qual nada, são frutas que eu gosto
e não sei porque desperdiçá-las e comia todas durante o plantão. Não adiantava
ele dizer: menina, você não vai almoçar, menina, você não vai jantar... Eu
comia assim mesmo.
Eu havia atendido no morro uma
senhora idosa, muito simpática e em quase todos os plantões era atendida por
mim com crise asmática. Eu quase morria de dó da pobrezinha, eram crises
terríveis e às vezes era preciso interná-la. Ela não me saía do pensamento,
sempre sentindo a sua presença e perguntando a mim mesma como ela estaria.
Tomara que venha ao pronto socorro logo que tenha uma crise!
Havia passado muitos dias e eu não tinha
notícias e um dia ela apareceu. Respirava bem, falava com mais facilidade,
achei que devia ter ido ao PS Central e atendida por um especialista que
resolveu seu problema. Qual não foi a minha surpresa quando ela disse que desde
a última consulta ela não tivera mais crises. A sua medicação foi porreta,
disse ela sorrindo e mostrando as gengivas, pois dentes ela não tinha nenhum.
Era um sorriso gostoso e ela parecia tão feliz! Seja o santo que for que fez o
milagre, ora pronobis, pensei...
— Trouxe um presente para a
senhora.
Admirada, sorri. Ela saiu pela porta principal do
hospital e voltou com um mamão, que naquele momento, me pareceu o maior do
mundo, era tão grande que mais parecia uma melancia, não fosse a sua cor
amarelada até que podia ser... Fiquei
olhando aquela fruta gigante e sem poder compreender como ela conseguiu descer
o morro com ele nos braços, o mamão parecia maior do que quem o carregav
— Espantada, doutorinha? Foi o maior que já vi e
apenas me lembrei de trazer para a senhora, pois mesmo acostumada com coisas
boas, na certa não havia visto um mamão tão grande. Cuidei dele com todo
carinho, finquei pau de todos os lados e fiz uma rede para sustentá-lo.
Eu olhava admirada para ela e para o mamão e para
aliviar-lhe o peso fui pegá-lo. Quase arriei com tanto peso!
Agradeci o melhor que pude e ela saiu sorridente e
feliz. Quando ia deixar o plantão às sete horas do dia seguinte peguei o mamão
para levar.
— O que é isso, menina? Com esse peso não chegará em casa. Deixe o mamão na
geladeira e garanto que dura até o seu próximo plantão.
— O que é isso, chefe? A coitadinha desceu o morro com
ele nos braços para presentear-me. Vou levá-lo para que meus colegas da pensão
o vejam.
Um interno gozador disse:
— Deixe, chefe, que ela vá levando o mamão maior do
mundo, nos a pegaremos no caminho.
Enquanto eles entregavam o plantão, fui com o mamão
até o ponto de ônibus. O motorista perguntou:
— Quanto tempo aquele mamão ficou hibernando?
Contei a história para ele, que gentilmente, colocou o
mamão ao seu lado para que ninguém o molestasse. Para chegar ao local onde
morava, trocava de ônibus três vezes. Era conhecida de todos os motoristas, que
me chamam de doutorinha ou de paulistinha e todos colaboraram comigo; houve um
que, como estava no fim da linha, deixou-me perto de casa.
Onde morava tinha dois lances de escada, não tinha
elevador, porque eram apenas dois andares. Subi a escada degrau por degrau,
descansando algumas vezes. Chegando ao topo da escada, quase em frente ao meu
apartamento, sentei-me e respirei fundo. Um rapazola subindo às pressas, deu-me
um solavanco e o mamão gigante desceu aos pulos os degraus da escada,
espatifando-se lá embaixo.
Eu chorava tanto, que o moleque ficou morrendo de dó e
pensando que eu estava preocupada com a limpeza da escada, que estava enlameada
de mamão. Passando o s seus braços pelos meus ombros, disse-me para consolar:
— Vou limpar a escada para você...