quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

O MAIOR MAMÃO DO MUNDO


Por: Thereza Freire Vieira
GERIATRIA
(in memoriam)
1928 - 2019

Os presentes que médico recebe, principalmente no início de sua carreira, são interessantes e faz da medicina o esporte mais maravilhoso do mundo.
Quando era interna do Pronto Socorro da Ilha do Governador, como o hospital ficava ao pé do Morro do Quebra Coco, era incrível a velocidade com que aqueles favelados desciam o morro, era um esporte interessante e quando não tinha chamados a atender eu ficava observando. O meu chefe de plantão era apavorado com macumba e sempre que me deixavam cestas de frutas, com araçá, goiaba, jambo e outras frutas que eram nativas da região, ele queria que me desfizesse delas, Qual nada, são frutas que eu gosto e não sei porque desperdiçá-las e comia todas durante o plantão. Não adiantava ele dizer: menina, você não vai almoçar, menina, você não vai jantar... Eu comia assim mesmo.
Eu havia atendido no morro uma senhora idosa, muito simpática e em quase todos os plantões era atendida por mim com crise asmática. Eu quase morria de dó da pobrezinha, eram crises terríveis e às vezes era preciso interná-la. Ela não me saía do pensamento, sempre sentindo a sua presença e perguntando a mim mesma como ela estaria. Tomara que venha ao pronto socorro logo que tenha uma crise!
Havia passado muitos dias e eu não tinha notícias e um dia ela apareceu. Respirava bem, falava com mais facilidade, achei que devia ter ido ao PS Central e atendida por um especialista que resolveu seu problema. Qual não foi a minha surpresa quando ela disse que desde a última consulta ela não tivera mais crises. A sua medicação foi porreta, disse ela sorrindo e mostrando as gengivas, pois dentes ela não tinha nenhum. Era um sorriso gostoso e ela parecia tão feliz! Seja o santo que for que fez o milagre, ora pronobis, pensei... 
— Trouxe um presente para a senhora.
Admirada, sorri. Ela saiu pela porta principal do hospital e voltou com um mamão, que naquele momento, me pareceu o maior do mundo, era tão grande que mais parecia uma melancia, não fosse a sua cor amarelada até que podia ser...  Fiquei olhando aquela fruta gigante e sem poder compreender como ela conseguiu descer o morro com ele nos braços, o mamão parecia maior do que quem o carregav
— Espantada, doutorinha? Foi o maior que já vi e apenas me lembrei de trazer para a senhora, pois mesmo acostumada com coisas boas, na certa não havia visto um mamão tão grande. Cuidei dele com todo carinho, finquei pau de todos os lados e fiz uma rede para sustentá-lo.
Eu olhava admirada para ela e para o mamão e para aliviar-lhe o peso fui pegá-lo. Quase arriei com tanto peso!
Agradeci o melhor que pude e ela saiu sorridente e feliz. Quando ia deixar o plantão às sete horas do dia seguinte peguei o mamão para levar.
— O que é isso, menina? Com esse peso não chegará em casa. Deixe o mamão na geladeira e garanto que dura até o seu próximo plantão.
— O que é isso, chefe? A coitadinha desceu o morro com ele nos braços para presentear-me. Vou levá-lo para que meus colegas da pensão o vejam.
Um interno gozador disse:
— Deixe, chefe, que ela vá levando o mamão maior do mundo, nos a pegaremos no caminho.
Enquanto eles entregavam o plantão, fui com o mamão até o ponto de ônibus. O motorista perguntou:
— Quanto tempo aquele mamão ficou hibernando?
Contei a história para ele, que gentilmente, colocou o mamão ao seu lado para que ninguém o molestasse. Para chegar ao local onde morava, trocava de ônibus três vezes. Era conhecida de todos os motoristas, que me chamam de doutorinha ou de paulistinha e todos colaboraram comigo; houve um que, como estava no fim da linha, deixou-me perto de casa.
Onde morava tinha dois lances de escada, não tinha elevador, porque eram apenas dois andares. Subi a escada degrau por degrau, descansando algumas vezes. Chegando ao topo da escada, quase em frente ao meu apartamento, sentei-me e respirei fundo. Um rapazola subindo às pressas, deu-me um solavanco e o mamão gigante desceu aos pulos os degraus da escada, espatifando-se lá embaixo.
Eu chorava tanto, que o moleque ficou morrendo de dó e pensando que eu estava preocupada com a limpeza da escada, que estava enlameada de mamão. Passando o s seus braços pelos meus ombros, disse-me para consolar:
— Vou limpar a escada para você...   

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