terça-feira, 10 de dezembro de 2019

DEPRESSÃO

Por: Roberto Antonio Aniche
ORTOPEDIA

A solidão caminha pelas ruas sonolentas, silenciosa pela noite adentro. Não pergunta nomes, não bate nas portas nem precisa que elas se lhe abram. A solidão caminha silenciosa, como a névoa que alcançou todos os primogênitos, mas muito mais cruel, sem se preocupar em quem cairia em suas armadilhas.
Como um animal peçonhento esgueira-se pelas sombras, age e ataca no silêncio quando se torna ainda mais forte, longe da luz. A solidão é uma dama de veludo que sem o menor pudor beija a face desprotegida com o beijo maldito que envolve e dissolve todos os sonhos da vida.
Não há limites em sua busca frenética pela desgraça, vai de pensamentos a alcovas, de palavras a silêncio, da vida e da morte, sempre, independente de quem seja, abalar o coração, derrubar a alma. E de repente a solidão invade a distância e o tempo, torna as pessoas sem rosto, sem voz, sem sonhos.
...
Sozinho no banco da praça, debaixo da luz amarela de um poste antigo, o homem pensa em como se deixou iludir, como perdeu seus momentos de lucidez que o levariam ao paraíso etéreo que almejara desde menino. Gostaria de falar, mas não havia quem o ouvisse, não havia pessoas ao seu lado, nem na praça nem em qualquer outro lugar.
Envolvido pela névoa ele descobriu que não tinha mais palavras, as perdera todas no caminho de tantos anos até chegar àquele banco da praça. Ninguém o notava, tornara-se invisível como a avó de um texto lido no passado. Deixara-se tornar invisível, a solidão o tornou invisível num ataque de surpresa na linha do tempo de sua vida.
Era noite, como convém à solidão para entrar no coração das pessoas, envolvê-las em seus próprios pensamentos escuros tornando-as cada vez mais, seres únicos num mundo coletivo, tão únicos que não mais se enxergam.
Olhou para a luz amarela do poste e uma garoa fina começou a cair tornando a atmosfera mais fria, mais úmida, mais triste. Ninguém havia notado a sua ausência que já se tornara um tempo quase que eterno, ninguém havia notado a falta de sua voz contando estórias, pouco ou nada se lembravam de seu sorriso.
E quando ele buscava alguém na lembrança a tristeza o envolvia mais ainda, ele havia se tornado anônimo em sua própria casa, um paria do tempo perdido. Levantou-se e começou a caminhar, passos lentos, em direção a qualquer lugar. Lembrou-se de uma frase que dizia que a quem não tem um destino, qualquer caminho serve.
Talvez aquela rua jamais sentiria seus passos novamente, a lua encoberta não se lembraria mais de tê-lo visto, seus livros não seriam mais folheados buscando uma frase sequer.
Lentamente, encurvado e com os ombros caídos foi caminhando em direção a lugar nenhum, ou ao fim de todos os seus caminhos. Não havia mais nada a fazer, nada mais a dizer, nada mais a pensar. O coração se contraiu amargurado enquanto a tristeza tomava conta dos seus pensamentos.
Era um desconhecido numa fotografia velha e amassada. Nenhum recado, nenhuma saudade. Não restava mais nada a fazer, a não ser andar. Esgotara a sua cota de sacrifícios, esgotara todas as suas tentativas de se encontrar e encontrar tantas outras pessoas, não havia mais ambição, iniciativa ou sonhos. Ninguém perde o que não tem e ele tinha a certeza de que, depois de perder tudo ele atingira o estado do nada, apenas isso, um nada no meio da multidão. Lembrou-se do tempo de menino e um soluço doloroso emergiu de seu âmago. Parou, voltou-se e olhou na direção de onde viera.
E não viu nada, porque não havia mais nada. Mais nada…

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