Por: Aida Lúcia Pulin Dal Sasso Begliomini
ENGENHARIA
Subi os seis andares já quase sem fôlego; no penúltimo descansei um pouco e mudei a sacola de mão.
Foi a terceira vez esta semana que o elevador parou de funcionar. Xinguei calado o porteiro, o síndico e até mesmo meu vizinho de porta que acabara de colocar seu lixo fedorento no hall dos apartamentos. A semana estava só começando e tudo estava dando errado.
Meu carro estava no conserto, o metrô lotado que peguei parou na estação por algum acidente no trajeto... Parece que alguém se atirou nos trilhos e a continuidade da viagem estava sem previsão em médio prazo, me obrigando a chamar um Uber.
Eu e uma grande parte dos passageiros tivemos a mesma ideia e adivinhem... Mais tempo de espera e aumento do valor da corrida... Fazer o quê... Seria o mais viável no momento.
Quando chegou, sentei e descobri que o motorista era um engenheiro que havia perdido o emprego devido a idade, mais de cinquenta anos e estava com dificuldades em conseguir nova colocação, optando por esse trabalho por necessidade financeira e flexibilidade de horário. Bem humorado, me ofereceu água e ainda comentou que hoje em dia tinha mais engenheiro trabalhando no Uber do que pagando o CREA. Achei graça e relaxei um pouco apesar do tráfego intenso.
Da janela observava como a cidade estava esburacada e feia. Gente perambulando pelas ruas, mal vestidas, sujas, algumas envoltas em cobertores apesar do calor, nitidamente drogadas. Outras sentadas no chão cozinhando em improvisados fogões, rodeadas por crianças e cachorros. Lamentei que uma cidade do porte de São Paulo estivesse tão maltratada, mesmo após a mudança do partido político e ideologia. Perto de casa lembrei que a geladeira estava vazia e passei no mercado para comprar alguma coisa.
Enfim... tentei abrir a porta , forcei um pouco e a chave quebrou. Que azar! Era só o que me faltava. Porém para minha sorte lembrei que hoje era o dia da faxineira e que ela sempre deixava a chave na portaria. Chamei o zelador pelo interfone do hall e pedi que me trouxesse a chave e também me ajudasse a retirar o pedaço que restou dentro da fechadura.
Meia hora depois estava abrindo a porta e sendo recebido entre pulos e latidos pelo Bob, fiel companheiro que adotamos meses atrás após ele ter nos acompanhado quadras e quadras em uma caminhada num domingo cinza e frio.
Depositei as compras na pia da cozinha, troquei a água e completei a ração, lembrando então da pilha de correspondência que não tinha sido aberta e estava acumulada num canto da mesa.
Olhei em volta. Tudo permanecia igual. Os mesmos quadros na parede, plantas no terraço, flores na bancada ao lado da mesa de jantar, almofadas soltas e coloridas nos sofás.
Pela janela entreaberta uma brisa fresca percorreu o ambiente e senti sua ausência, seu perfume, sua alegria espontânea e seu beijo ardente atiçando o meu desejo. Quanto tempo fazia que você partiu, horas, dias....não tinha certeza... . Sua falta se fazia notar em cada detalhe. Até os pequenos defeitos que eu vivia reclamando, agora não importavam mais. A saudade era imensa.
Escolhi um bom vinho tinto de minha adega e fui para a varanda e de lá me distraí com a movimentação de carros no constante vai e vem. A noite veio chegando apressada como a vida é e no aconchego de nossa casa me senti protegido. O celular tocou. Olhei o horário no relógio e automaticamente converti para o fuso horário local e rapidamente atendi. Milhares de quilômetros distantes, separados por um oceano imenso pela tela vi você sorridente, feliz, escutei a sua voz carinhosa, saudosa e percebi quanta falta você me faz.
— Volta logo, querida...
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