Por: José Hugo de Lins Pessoa
PEDIATRIA
Foram três longos anos. Pelo telefone avisei que chegaria em uma hora. Ela disse: quando chegar pode entrar, a porta da sala estará aberta, estou no escritório escrevendo um relatório. Ao entrar na sala, com uma garrafa de vinho nas mãos, imediatamente percebi o quadro pendurado na parede e parei para visualizar. De repente, ela aproximou-se, tão bela quanto antes, e disse: arte abstrata, é ver e sentir, não é? Respondi sim, a arte é para criar o resgate da emoção particular do observador, transcende as aparências exteriores da realidade, nos sugere ideias e sentimentos. Por definição, entende-se a arte abstrata como aquela que não representa objetos concretos da nossa realidade exterior. O formato tradicional, realismo, é deixado de lado na arte abstrata. Ver a pintura, não é para procurar uma simbologia escondida, resolver um “quebra-cabeça”. Existe liberdade tanto para o artista quanto para o observador. Temos liberdade para apreciar e interpretar a obra sob nossa própria visão. As cores falam e ouvem. Tudo depende de como você ouve e sente cada cor. O jogo das cores e das linhas. As cores se engendram mutuamente, assimilação e diluição. Predomina o azul, que transmite calma, compreensão, lealdade, mas também tem um tom vermelho que mostra alguma excitação, provocação, sexo e perigo. Um pouco de branco, muito pouco, paz. Essa é a mágica da pintura, não é para descobrir uma “história” que o autor pintou. Cada dia que olharmos esse quadro podemos ter um sentimento diferente. É a vida que percebemos na arte que fala com nossa vida. Se você não encontrou, siga até uma obra que fale com você. Nesse momento, vejo, e até ouço, uma história nesse quadro. Esses traços, essas linhas que mudam de cor e se cruzam, lembram-me de imediato os caminhos da minha vida. Caminhos que andei algumas vezes sorrindo, outras chorando, ganhando e perdendo. Aprecio histórias, e como já contei a mim mesmo a história da minha vida tantas vezes, vejo esse quadro e digo, como no poema de Menotti del Picchia, “eu conheço essa voz / essa voz eu conheço”. Nos abraçamos, sob os olhos da pintura.
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