Por: Alitta Guimarães Costa Reis
PSIQUIATRIA
Ao completar cinquenta anos de magistério, dedico esse texto
a todos os meus mestres e a todos os meus alunos, com gratidão.
“Sou formada, como professora, desde 1969. Estudei muito. Lecionei em todos os níveis de ensino. Uma honra!
Lembro-me do dia em que realmente entendi a importância de ser professora. Foi quando recebi um cartão especial.
Sete anos atrás, eu havia entrado em classe do ensino médio, substituindo um professor que havia faltado. A aula era sobre o Japão. Eu havia lido sobre o “milagre japonês” e estava bem entusiasmada. Eram muitos alunos em sala, eu precisava usar um microfone. No fundo, sentado desajeitadamente numa cadeira, havia um moço magro, de pernas cruzadas, desenhando com muita rapidez, com uma caneta esferográfica azul. Quando me aproximei, vi que ele desenhava um samurai. Estava perfeito, nos mínimos detalhes. Ele me viu, fechou rapidamente a apostila, como se esperasse ser repreendido. Então eu disse: “Que lindo!”
Na hora do intervalo, ansioso e ainda hesitante, ele me trouxe suas apostilas e compartilhou comigo sua arte. Centenas de desenhos bem feitos, num preenchimento obsessivo de espaços. Um dos desenhos me chamou a atenção: tentando impedir uma enorme tesoura de se fechar, com braços e pernas estendidos, estava um homem, sangrando muito, com um semblante de dor. Era de arrepiar. Então ele me explicou que o pai dele estava na UTI, muito mal. E que, além da preocupação pela sua saúde, temia que a mãe, ele e o irmão passassem fome, se ele viesse a morrer.
E eu disse: “Fome? Com isso que você sabe fazer?”
Facilitei o contato dele com uma pequena fábrica, e durante anos vi, passeando pela cidade, os inconfundíveis desenhos dele, estampados em dezenas de camisetas.
Eu me mudei, perdi o contato, e sete anos se passaram.
E agora eu estava com o cartão em mãos, desenhado por ele.
Quando abri, vi que era uma carta de agradecimento e um convite. A família estava bem. Ele me agradecia muito, e me convidava para uma exposição própria, na capital. Comunicava também, muito empolgado, que havia ganho uma bolsa para o exterior, e que em breve viajaria. E completou: “Toda a minha vida mudou quando a senhora falou aquilo, que o meu desenho estava lindo”.
Emocionada, refleti então sobre o poder que eu tinha. Que responsabilidade! A palavra certa mudara tudo na vida dele. Eu estava muito feliz, porque tive oportunidade de ajudá-lo, e porque agora ele tinha paz e um propósito na vida.
E, naquele dia, profundamente grata a D’us, entrei em oração, sentindo que, realmente, eu me tornara mestra”.