Embora ele não tenha tido a fama de João Rubinato (1910-1982), valinhense de nascimento e que se tornou nacionalmente conhecido com o pseudônimo de Adoniran Barbosa, um dos mais importantes nomes da música popular brasileira e eternizado como “Poeta do Bixiga”, teve o mesmo carinho por esse inusitado bairro paulistano, reduto no passado de imigrantes italianos. Aí, na Bela Vista, região próxima do centro da cidade como é oficialmente conhecida, não somente viveu, mas também teve seu consultório durante 25 anos (!), amealhando muitas recordações que, anos mais tarde, serviam-lhe de inspiração para cenário e criação de protagonistas de muitos dos seus contos e crônicas.
À
semelhança de Adorian Barbosa, ele bem sabia colocar no diálogo de seus de
personagens palavras corriqueiras, do dia a dia, com um português popularesco
nem sempre correto, mas usual e que os caracterizavam no ambiente onde viviam
que, vez por outra, eram temperadas com vocábulos italianos ou do dialeto
calabrês, aliás, região de onde provinha seu avô paterno Antonio Civile, e a
quem o protagonizou num de seus primeiros livros: A História de uma Família Calabresa.
Da
mesma forma seus escritos eram leves, descontraídos e frequentemente
hilariantes, prendendo a atenção de todos os que o ouviam. Contudo, não se pode
dizer que ele foi apenas contista, absolutamente! Em sua obra literária também
se encontram em quantidade e qualidade expressivas: biografias, ensaios,
memórias, fábulas e romances.
Estes
dentre tantos outros predicados marcaram a figura do querido amigo e
inesquecível escritor Rodolpho Civile, paulistano, nascido em 25 de janeiro de
1925, no mesmo dia de aniversário de sua cidade natal!
Civile,
como todos carinhosamente o chamavam, graduou-se em 1952, na tradicional Escola
Paulista de Medicina. Atuou como assessor médico do Sindicato de Energia do
Estado de São Paulo; supervisor médico do INPS – Instituto Nacional de
Previdência Social; médico da Prefeitura do Município de São Paulo, além ter
sido sócio fundador do Hospital Nossa Senhora de Lourdes. Dedicou-se também à
medicina do trabalho e foi coautor do Manual
Prático de Segurança, Higiene e Medicina do Trabalho (1973).
Rodolpho
Civile foi um dos mais ativos, perseverantes e cativantes membros da Sociedade
Brasileira de Médicos Escritores – Regional do Estado de São Paulo
(Sobrames-SP), bem como imortal da Academia de Letras de Campos do Jordão!
Certa
feita confidenciou-me que, sondado para concorrer a uma vaga numa outra
academia de letras, de uma cidade do Vale do Paraíba, declinou do convite,
visto que as reuniões coincidiam com as tertúlias da Sobrames paulista e ele
não podia se afastar dessa entidade e dos amigos que nela encontrou, pois os
considerava uma extensão de sua própria família!
Rodolpho
Civile caracterizava-se por ser simples, alegre, fraterno, desprendido, sereno
e interativo. Há muitos anos havia se retirado da capital e fixado residência
em São José dos Campos, no interior paulista. Contudo, durante anos e anos a
fio e até um mês antes de seu falecimento, não se furtava em se deslocar
mensalmente de sua cidade – costumeiramente às terceiras quintas-feiras –, para
participar das tertúlias da Sobrames-SP, carinhosamente chamadas de Pizzas
Literárias. Raramente faltava e sempre tinha algum trabalho para apresentar,
solicitando, vez por outra, que alguns dos presentes fizessem dueto com ele,
contracenando e dinamizando suas estórias.
Casou-se
em 6 de junho de 1953 com Maria da Glória Moreira Civile, sua eterna namorada e
com quem conviveu alegremente por 65 anos (!), sendo presença constante ao seu
lado. Dessa feliz união nasceram três filhos: Rodolfo, Rogério e Rosana. Suas noras
Luzia e Natacha deram-lhe quatro netos: Vinicius, Lígia, Tiago e Sofia; e um
bisneto: Gustavo. Com o falecimento da nossa também amiga Maria da Glória,
ocorrido em 10 de setembro de 2015, sua filha Rosana – exímia pianista! –,
tornou-se sua fiel companheira nas Pizzas Literárias e noutras atividades.
Ao
ler seus textos, Civile – como bom descendente de italiano –, vibrava com suas
narrativas, descontraindo e prendendo a atenção de seus ouvintes. Por vezes ria
repetida e gostosamente do que ele mesmo havia escrito, contaminando com seu
riso a todos! Dentre seus inesquecíveis e premiados contos têm-se: “O Velho e o
Cego”; “A Beata e o Padre no Confessionário”; “Amassando o Pão”; “As Alegres
Comadres do Bexiga”; “Nicola, o Barbeiro do Bexiga”; “Pavana para uma Rolinha
Morta”; “O Vendedor de Machadinho do Bexiga”; “O Amor entre os Elefantes”;
“Calixto, o Colchoeiro do Bexiga”, dentre outros.
Rodolpho Civile recebeu diversos prêmios
literários e teve muitos trabalhos publicados em coletâneas e antologias da
Sobrames paulista. Aliás, seu carisma, benquerença e frequência eram tão
grandes a essa entidade, que teve o privilégio em vida, de ver seu nome dado ao
“Prêmio de Assiduidade Rodolpho Civile”, galardão que ele próprio recebeu,
merecidamente, por diversos anos!
São
de sua lavra os seguintes livros: 1. A
História de uma Família Calabresa; 2. Olhando
o Dedão do Pé; 3. O Avô; 3. A Véspera de Natal em The Entrance; 4. Esperando a Eternidade; 5. O Julgamento do Dr...; 6. A Falésia das Almas; 7. Amor em Les Gets; 8. O Encontro no “Mont Saint-Michel”; 9. Aqui e Ali. Mosaico de Letras
(Coletânea); 10. O Tempo Passou e Com
Ele Nossos Sonhos; 11. Devaneios de
um Vagabundo Andarilho; 12. O Olho
do Galo; 13. Um Calabrês na Índia;
14. O Retorno do Vagabundo Andarilho;
15. O Chinelo Furado do Zoroastrita;
16. Um Burro na Burra; 17. As 15 Brácteas da Alcachofra Dourada;
18. Momentos do Passado – Contos e
Crônicas do Bexiga; 19. Momentos que
o Tempo Levou... e 20. Memórias Literárias – Contos e Crônicas de
Rodolpho Civile (editor Marcos Gimenes Salun).
Rodolpho
Civile, mesmo em idade provecta, levantava-se de madrugada para praticar
exercícios de Yoga. Aliás, ele é autor do Manual
Prático de Hatha-Yoga.
Nutria
um carinho especial e explícito por mim e por minha esposa. Convidava-nos, reiteradamente,
para fazer-lhe uma visita quando íamos a Ubatuba ao passar por São José dos
Campos. Tive, ao lado de minha esposa e de outros amigos da Sobrames paulista,
o privilégio de participar em sua cidade, da comemoração de seus bem vividos e
profícuos 90 anos!
Rodolpho
Civile teve por genitores João e Josephina, e sempre reconheceu e agradeceu o
quanto seus pais haviam feito por ele! Esteve lúcido e produtivo até o final de
seus dias.
Partiu
em 7 de outubro de 2018, na juventude e na candura de seus 93 anos! Ele soube
honrar a medicina e teve destaque especial nas letras, confirmando em seus
contos o adágio italiano: “Se non è vero,
è ben raccontato”. Se Adoniran Barbosa foi o “Poeta do Bixiga”, com
certeza, Civile foi, com muito brilho e criatividade, o “Contista do Bixiga”!
HELIO BEGLIOMINI
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