Por: Sérgio Pelegrini Marun
OFTALMOLOGIA
Chegamos ao sexto ano da
faculdade, as emoções do fim do nosso sonhado curso na flor da pele. A
faculdade tinha condições de manter vinte alunos para o internato, os demais
seriam colocados, no Hospital Municipal de São Paulo, quarenta, e nos hospitais
Ana Costa e Santa Casa de Misericórdia, em Santos, os últimos trinta e seis.
Era uma
decisão muito difícil, os alunos seriam sorteados e poderiam optar por um dos
quatro hospitais, na ordem do sorteio. Estávamos tensos, os interesses pessoais,
as necessidades e as obrigações assumidas falando muito mais alto que o próprio
coração amante de Botucatu.
Desespero
e mesmo pavor tomavam conta de cada um de nós todos, e de mim em particular. A
decisão marcaria o início de uma vida nova, a incerteza e o desconhecimento dos
locais indicados, somados à necessidade de estar próximo da família, como apoio
à jovem esposa que iria passar inumeráveis dias e noites, puseram-me em um
pânico velado.
Tomei a
decisão que me pareceu mais acertada. Iria optar pelo Hospital Municipal de São
Paulo e concorrer no sorteio a uma das quarenta vagas.
Finalmente
o dia do sorteio, nomes e opções sendo anunciadas, vagas sendo preenchidas; o
Municipal era o mais escolhido e já estava ficando completo, eu ainda fora do
sorteio. Última vaga e fiquei fora, que pânico, sensação total de perda,
desespero e finalmente, por ironia, talvez, fui o seguinte sorteado.
Não
estava em condições de tornar nenhuma decisão, o desespero tomara conta de mim,
não me havia preparado para aquela eventualidade, entraria em pânico caso não
tivesse uma voz amiga calmamente sugerindo, sussurrando: “Escolhe a Santa Casa
que depois troco com você”. Sem pensar, escolhi. Era o colega João Messetti,
que saiu sem mais conversa, pois já havia feito sua escolha pelo Municipal.
Calmo,
porém ainda preocupado, procurei o Messetti na escola e perguntei-lhe em que
condições faríamos a troca, quanto teria de pagar pela gentileza, e ver se eu
teria condições de realizar a troca, pois tinha ouvido conversas de outras trocas
e talvez o dinheiro de que dispunha não fosse suficiente.
Ouvi
sonora e solene descompostura, que nunca esquecerei. “Que burro você é, Pelelé, não consegue ver
um amigo fazer um gesto de amizade, sem querer colocar dinheiro no meio para
tentar estragar tudo. Vi sua preocupação, seu desespero e resolvi ajudar pelos
nossos bons tempos, por nossa amizade”.
Depois da
troca de vagas tivemos um ano de muito trabalho no internato e só voltei a ver
o amigo João Messetti já formado, nas comemorações festivas do fim de curso.
Juntos fizemos residência de Oftalmologia na Santa Casa de São Paulo e
continuamos amigos, companheiros por estes quarenta anos.
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